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Heavy Rain: Emoções à flor do pixel

-As emoções e os videojogos------------------------------,-----









Os videojogos estão constantemente abertos a intenso debate, seja pela sua hipotética classificação como forma de arte ou pela sua capacidade de transmitir emoções como os filmes o conseguem. Embora a maior parte dos jogadores vejam esta indústria – algo tendenciosamente, como é óbvio – como uma máquina multifacetada, poucos são os jogos que conseguiram provar as suas habilidades para lá da dúvida razoável, comunicando-nos emoções a ritmo frequente: Shadow of the Colossus, Silent Hill 2, e pouco mais.

E entra em cena a produtora francesa Quantic Dream, que para os mais novatos ficou conhecida pela aventura fora do comum Fahrenheit – conhecida como Índigo Prophecy nos US of A –, mas que os veteranos sabem ser responsável pela menosprezada obra-prima The Nomad Soul – e peso as minhas palavras. A sua nova produção é Heavy Rain, um exclusivo PS3 e provavelmente o jogo ao qual melhor se aplica o adágio “ou se adora ou se detesta”. Porque esta é também ela uma obra fora do comum, um jogo que não pretende ser um jogo, mas um filme que nos leva para lá do papel passivo de espectador.

Porque há duas claras categorias de jogadores: os que se regem pelo número de armas, tamanho dos bosses e quantidade de achievements/troféus, e os que pretendem sentir algo com os videojogos. Contam-se pelos dedos de uma mão os jogos que fizeram este escriba emocionar-se com algum evento, e o mais marcante terá sido Silent Hill 2. Não apenas pela sua atmosfera opressiva, mas igualmente por alguns momentos marcantes a nível de emoção – a procura de um homem desesperado pela esposa que julgava falecida está construída de uma forma capaz de tocar o mais insensível dos jogadores, ainda mais quando conjugado com uma banda sonora que se entranha como poucas. Não é só o terror, é principalmente a paixão e o calor humano que fazem deste um jogo que é bem mais do que isso.

Heavy Rain, portanto. Sem bosses finais, sem um arsenal incontável, sem muitos dos clichés que habitualmente compõem um jogo. E é por isso que é odiado por muitos, que não tentam alargar os seus horizontes para lá das definições básicas de “videojogo”. O que David Cage pretende, tenta explicar nas entrevistas e quase desespera ao vender o seu “peixe”, é que ele quer passar emoções, histórias, personagens humanas com problemas humanos, com os quais muitos de nós se podem identificar, apoiar e, quem sabe, chorar com eles. A já conhecida cena de luta num ferro-velho foi criticada pelo seu dirigismo, mas o sentido de espectáculo está presente, e pelo menos é bem mais interactiva do que num filme, passe a ironia. Já a cena onde Madison é obrigada a despir-se e dançar de forma provocante é algo que pode ser certamente visto como polémico, mas quem é que não irá tremer perante um possível resultado negativo – destas quatro personagens principais algumas podem ir morrendo que o jogo não acaba propriamente por isso – e vibrar quando ela der a volta por cima? Seja qual for a forma de encarar, as emoções parecem estar lá.

David Cage é, injustamente, considerado por muitos (tanto jogadores como colegas de profissão) como um egocêntrico, um maníaco que procura a fama e que vende banha-da-cobra para atingir os seus propósitos. É verdade que o tutorial de Fahrenheit, onde uma sua representação virtual acolhe e ensina o jogador terá contribuído para este rótulo, mas por outro lado temos alguém a quem os jogos ditos “normais” já não satisfazem. E como ele há muitos jogadores, muitos sem viva voz, outros que ainda tentam manifestar-se para que não continuemos com as produtoras na eterna corrida da tecnologia, ignorando as inúmeras possibilidades que a actual geração engloba para além disso.

Heavy Rain, na pior das hipóteses, será um filme algo interactivo que, tal como os seus congéneres cinematográficos, será tão bom consoante a qualidade do seu argumento. A ligeira evolução nos Quick Time Events não parece capaz de nos fazer esquecer que continuam a não passar disso mesmo, mas não é isso que importa aqui. O que interessa é que existam escolhas para o jogador, decisões a tomar que tenham consequências sérias e bem contraditórias. O que conta é que, tal como na vida real, uma acção possa ter um resultado que nos faça sentir bem por termos feito a escolha certa. O importante é a capacidade deste “banal” jogo perdurar nas nossas memórias muitos dias após o termos acabado.

Na improvável situação de Heavy Rain ser realmente um fenómeno capaz de gerar consenso – e comemos o nosso chapéu se isso acontecer – acreditamos que haverá sempre uma parcela de publicações que não o vão entender. Ou por gostarem de se distinguir sendo do contra, ou por não conseguirem mesmo perceber a essência do jogo. Uns vão adorá-lo, outros detestá-lo, os que ficarem indecisos o melhor que têm a fazer é voltar para o FPS-genérico-o-regresso-da-vingança-17.

PS: Como devem ter percebido, Heavy Rain é uma das coisinhas mais aguardadas aqui por este autor. Conhecendo o percurso da Quantic Dream, a vontade em aproximar os dois mundos – videojogos e cinema – e observando a qualidade visual já apresentada, tudo se afigura pelo melhor. E se me fizer sentir bem por dentro, roer uma unha de nervoso ou soltar uma lágrima nem que seja por uma única vez, então já valeu a pena.

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